Entrevista de Aurélio Mesquita ao Programa Funk Nacional Rádio Nacional RJ
30/04/2012 21:59

É sempre um prazer falar sobre a via sacra da rocinha e sobre o meu trabalho porque é feito com muita paixão e muito sofrimento rsrs a via sacra este ano, completamos 20 anos, ou seja, nos tornamos adultos, e você Jr e Leonardo, o irmão de vocês, o Lucas, fez o Jesus por cinco anos e sabe do sofrimento que é para fazer um espetáculo daquela natureza usando a favela como cenário para contar a vida de Jesus cristo...com todas as dificuldades que você possa imaginar , todas, todas absolutamente todas que você imaginar, nós já passamos e superamos e colocamos o espetáculo na rua, então são vinte anos de trabalho especificamente com este projeto via sacra. O jr falou diretor do teatro da rocinha, infelizmente a rocinha é uma favela que têm mais de 100 mil habitantes, e nós não temos uma biblioteca pública nós não temos um espaço pra teatro nós não temos um espaço pra cinema nós não temos absolutamente nada nesta área, o que é uma vergonha, que uma cidade como Rio de Janeiro ter uma favela da rocinha encravada ali na zona sul era pra ter no mínimo ali um espaço decente pra que os jovens daquela comunidade pudessem se expressar, e aí agente fica sujeito a uma única atividade, que é aquela atividade que dar pra se fazer na rua, que são os bailes funks.
Na realidade a ocupação em si, ela não nos atrapalha, esse ano o que aconteceu foi o seguinte, nós escrevemos em 2011, em outubro de 2011eu coloquei este projeto na lei de incentivo a cultura do estado do rio de janeiro, que é aquela lei que te dar o direito de captar recursos diante os empresários, pra que o empresário depois quando for pagar o imposto do governo possa reter esse dinheiro, infelizmente eu não conheço empresários que tenha bala na agulha pra fazer um investimento de duzentos mil, que era o custo do projeto. Mas a secretaria de cultura do estado se comprometeu ano passado que se nós colocássemos este projeto na lei de incentivo a cultura eles conseguiriam os investidores, ou seja, os patrocinadores, infelizmente isso não ocorreu, o que ocorreu foi que nós tivemos apenas um grupo de empresários ligados as companhias de seguros que nos doaram 50 mil reais, que agente pagou o som e a luz. Na realidade o lance da ocupação é um outro papo muito interessante que agente precisa conversar, porque se é uma ocupação só policial não resolve o problema, porque se os problemas do rio de janeiro e das favelas do rio de janeiro e dos recantos de pobreza desse país fossem resolvidos os problemas com polícia, nós não tínhamos mais problemas, se acham, pensam, sonham que vão resolver o problema social do Brasil com polícia, estão absolutamente enganados, o programa de ocupação das favelas é um programa grande, é um programa que prever a polícia, mas têm outras coisas e essas outras coisas até agora não chegou, o que agente tem na rocinha é em cada esquina tem alguém vendendo droga, aí o senhor pode está ai sentado e crescendo o olho, oh esse cara ta maluco falando isso,mas pra mim Sky é uma droga, essas empresas de distribuição de enlatados de péssima qualidade, que parece que nós só temos os americanos que fazem filmes, cadê os filmes iranianos, argentinos paraguaios bolivianos mexicanos¿ Então isso é uma droga também. Eles estão em cada esquina, o morador passando na rua é abordado, cadê seu CPF cadê seu não sei o que... pra comprar canal a cabo, mas deveria ter em cada esquina um agente do poder publico perguntando seu filho tá estudando¿ seu filho quer fazer um curso de inglês¿ seu filho quer fazer um curso de computação gráfica¿ porque também chega de levar cursos de camareira manicura, porque acha que pobre não tem condições de pensar e ir um pouco mais alem do que limpar chão e servir as pessoas, então a ocupação ela tem que ter a polícia, sim, a polícia é paga com o nosso dinheiro, eu não agradeço! Porque é direito nosso, nós pagamos os nossos impostos e os nossos impostos não voltam para aquela área. Lá em Ipanema Copacabana e em outros bairros da cidade do Rio de Janeiro ninguém é beneficiado porque tem segurança publica, porque que na rocinha nós somos beneficiados¿ porque que no santa marta nós somos beneficiados¿ eu não quero beneficio eu quero direito. Chega de beneficio eu não estou pedindo esmola eu pago os meus imposto eu quero os meus direitos, então a upp, essa coisa da pacificação ela é uma outra coisa, que eu converso sobre ela sem nenhum problema por que sei do que se trata, mas eu estou aqui especificamente pra falar sobre a via sacra, que sem duvida um dos projetos que mais tem durado na rocinha e um dos projetos que se manteve durante estes vinte anos sem financiamento nem do puder publico nem da iniciativa privada, e sem financiamento do narcotráfico, o que é muito difícil uma atividade desta natureza na rocinha se manter desta forma.
Uma coisa jr, eu trabalho com jovens, este ano trabalhei com 60 jovens, alguns profissionais, que já tem o DRT e estão na vida trabalhando, o que é muito difícil, porque se você que está em casa me ouvindo e seu sonho é ser um artista, é ser um ator de teatro, saiba o seguinte cara, é sofredor pra caralho essa porra, é uma vida sofrida não tem nada de glamour, entendeu¿ esse negócio de glamour é coisa de celebridade, isso aí é outra coisa, então no teatro, se você quer ser uma atriz ou um ator saiba que você vai ter que estudar muito, porque se você não tiver conhecimento algum... a rocinha vive um momento conturbado, eu digo que estamos vivendo uma espécie de momento cobaia, estamos passando por uma experiência, e o que eu torço e peço para meus amigos torçam é que agente saia dessa para uma melhor, porque eu você e outras centenas de pessoas que vivem lá, sabem como é difícil o momento que agente tá vivendo, porque nós estamos saindo de um lugar onde, e não é uma questão de ser melhor com o bandido ou com a polícia, mas nós sabíamos onde ir com quem ir e que horas voltar, agora as 8 horas da noite não tem mais ninguém nas ruas, as pessoas não sabem que atitude deve ser tomada, então o quê que falta, falta conhecimento, porque de um sujeito pode se tomar tudo, o carro o relógio a casa tudo, mas o que está dentro do teu cérebro ainda não há médico, ainda não há cientista que consiga abrir e tirar, isso não sou eu que estou falando não, isso foi Sócrates, um pensador da antiguidade. Então o importante não é você ter o importante é você saber. Se aqueles jovens das favelas tem conhecimento ele entra e sai de qualquer lugar, ele participa de qualquer grupo sem nenhum acanhamento. E o que falta aos nossos jovens é exatamente isso, o conhecimento, o conhecimento é muito reduzido, então tudo que aquele jovem vai fazer fica reduzido, se ele vai construir uma musica, a musica é reduzida porque o universo que ele conhece é muito pequeno. Então o que nós precisamos é de conhecimento, é de educação, é de escolas técnicas pra que aquele jovem possa se profissionalizar e ir pro mercado de trabalho pra ajudar a sua família ou segurar a sua própria família, porque muitos destes jovens já têm a sua... eu estou aqui mandando porque o programa é papo reto então eu estou falando o papo reto. Então o papo reto é esse, agora quando não se quer fazer nada, aí se faz um estardalhaço na mídia é um burburinho da porra, mas não resolve nada, ainda ontem eu falava com um repórter australiano e ele perguntava o quê que era melhor era com a polícia ou com o bandido¿ não dá pra gente saber o que é melhor porque tá tudo um grande tumulto, esse ano por exemplo a via sacra teve batedores da polícia, e muito gente que assiste aquele espetáculo, tinha muita gente assistindo eu não estou aqui reclamando do numero de pessoas porque pra mim uma obra que eu participo que eu faço se tiver uma pessoa e eu conseguir emocionar aquela pessoa pra mim já valeu apena, mas muita gente não foram assistir o espetáculo, que é um espetáculo, que embora seja um tema religioso não tem absolutamente nada haver com a igreja, alias a igreja nos odeia e eu adoro que ela nos odeie porque o nosso trabalho não tem nada haver som a igreja, Jesus cristo na realidade não é compreendido pelas igrejas ou é compreendido e é arquitetadamente feito essa sacanagem que fazem, só querem ganhar poder e dinheiro, mas dá a população, pelo menos o espaço da igreja para os jovens se reunirem e conversar, isso é impossível dentro da igreja, então eu estou falando aqui especificamente da igreja católica, mas as outras igrejas são piores ainda, então a igreja não é solução a solução é a educação, e esse lance da pacificação não pode ficar simplesmente na polícia porque é até uma covardia o que se faz com a polícia militar do Rio de Janeiro querendo que a policia resolva problemas que não tem absolutamente nada haver com a polícia, são problemas que deveriam ser resolvidos pela secretaria de saúde pela a secretaria de educação pela a secretaria de desenvolvimento social pela secretaria de cultura, que lá não estão, e ainda tem mais uma coisa que eu quero falar aqui, como esse programa é nacional e pode-se falar o que quiser, é um absurdo que uma TV pública ou uma rádio liguem pra mim e me peça para pedir permissão para eles entrarem lá na rocinha, isso é uma vergonha! Porque eu não tenho que ir pedir permissão pra ninguém, se alguém quer conversar comigo vai na minha casa entra vai na minha casa não precisa pedir permissão pra ninguém não porque eu tenho CEP eu pago telefone eu pago luz, então não tem que pedir licença pra ir na minha rua, eu estou aqui fazendo um desabafo que não vem o caso, mas eu quero dizer o seguinte, todo esse sofrimento nestes vinte anos, toda perseguição que agente sofreu, porque agente sofreu perseguição, pro senhores terem uma ideia a prefeitura do rio de janeiro é uma das prefeituras mais ricas do Brasil, não tem da prefeitura um livro dentro da rocinha, são quase duzentos mil moradores que pagam, e esse prefeitinho cueca suja não vai fazer nada e não adianta agente esperar porque não vai fazer nada, então se agente não se organizar não reivindicar e não for capaz, inteligente pra saber o momento certo de reivindicar, se agente for reivindicar só na época que tem campanha política, eles vão nos enganar, vão nos dar uma camisa vão nos dar um churrasco e um almoça e agente de barriga cheia e vestidos, agente fica acomodado, então eu prefiro é que agente esteja no sofrimento porque eu acho que no sofrimento agente é mais capaz de se revoltar e de reivindicar os nossos diretos, então eu quero dizer o seguinte, esses vinte anos fazendo a via sacra, e olha que a via sacra não o projeto mais importante do grupo de teatro da rocinha não, o projeto mais importante do grupo de teatro da rocinha não é a via sacra não, a via sacra é o mais famoso é o que leva mais pessoas pra rua, mas o projeto mais importante do grupo de teatro da rocinha é o sebo cultural volante que é distribuir livros aos moradores, porque mesmo que o sujeito não leia, mesmo que o sujeito seja um analfabeto, aquele livro vai ficar lá incomodando ele na casa dele e um dia ele abre e aí na hora que ele abrir o livro é como abrir uma janela pro mundo, abre-se possibilidades, então me façam pergunta se não eu fica fazendo um monologo aqui rsrsr
Pergunta do Leonardo: quais os documentos que a polícia exigiu para você apresentar a via sacra e como você ver a importância da via sacra, ela é uma formação de plateia o uma forma de reivindicação¿
Bacana, bacana, primeiro quero dizer que é um prazer está participando aqui do programa em que você é um dos criadores e coordenadores e apresentadores, e depois é na rádio nacional, a rádio do meu país, então o prazer fica maior ainda, e queria aqui mandar um abraço para todos os ouvintes e pedir desculpas porque num momento determinado aqui eu mandei um palavrão aqui, mas é que algumas palavras eu não considero palavrão e eu não sou sozinho eu vivo em sociedade, então tenho que me policiar com essas coisas, perdoe-me ai os ouvintes, e com relação a primeira pergunta, olhe rapaz, eu não tive problema algum com o lance da polícia, porque¿ porque eu expliquei no início como a via sacra aconteceu este ano, foi muito conturbado, agente não tinha dinheiro pra nada, então teve um momento que nós sentamos com a secretaria de cultura e algumas coisas foram divididas, algumas coisas com relação a produção e uma das coisas que ficou a cargo da secretaria de cultura foram as autorizações, não só da polícia, mas do corpo de bombeiros cetrio e etc e etc... mas quero lhe dizer uma coisa, se a secretaria não consegue aqueles rapazes de preto que ficaram lá fechando a rua, nós íamos fechar, nós íamos fazer o espetáculo, como fizemos... e com relação a segunda pergunta, eu acho que são as duas coisas, e agora está entrando uma terceira, que eu só estou percebendo depois de um tempo, que é uma quantidade grande de pessoas que participam do grupo de teatro e que se interessam pela teoria, ou seja vão estudar, no caso do seu irmão por exemplo, que está estudando teatro, e o Lucas é um belo ator, e agora vai ser um intelectual, pode se preparar que você vai ter um cara que vai te encher o saco com estes papos em casa, nas reuniões, mas eu acho que serve às duas coisas, agora a que eu mais gosto na realidade, a que acho que mais atinge os nossos objetivos e sasseia os nossos desejos é a questão da reivindicação, de usar a via sacra, alguns momentos da via sacra, alguns momentos da passagem de Jesus cristo pra falar das nossas agruras, falar do nosso sofrimento, do sofrimento do homem pobre do Brasil porque é terrível velho, você chegar em casa encontrar seu filho e ele lhe pedir algo e você não ter pra dar pra ele é complicado, então isso é o que me dar mais prazer, e eu percebo que a galera quando entendem que eles estão reivindicando algo... porque nós não somos tão panfletários, nós não vamos a rua gritar fora FHC, fora Sergio Cabral, fora prefeito do rio, agente diz estas coisas com outras palavras, agente diz estas coisas através de poesia, através de falas de outros artistas, artistas que já morreram... esse ano por exemplo, agente fez uma homenagem a filosofia, parece estranho fazer um espetáculo na favela e falar de filosofia, mas tem pessoas na favela que curtem filosofia, e outra coisa, devíamos curtir muito mais, porque a filosofia é capaz de abrir a nossa mente para outras coisas que as vezes está no nosso terreiro e agente não percebe
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